sábado, 24 de agosto de 2013

Para você adivinhar...


Eu poderia dizer que não vivo sem você. Mas você não é o oxigênio saturando minha hemoglobina, nem é o ritmo regular em dois tempos que promove a minha adequada perfusão tecidual.

Eu poderia dizer que você mora no meu coração. Mas não. O que mora no meu coração são valvas cardíacas, músculos papilares, cordoalhas tendíneas, e bastante sangue circulante de átrios para ventrículos continuamente.

Eu poderia dizer que quando te vejo borboletas voam no meu estômago. Mas nem que eu realmente quisesse ter borboletas no meu estômago, nenhuma delas sobreviveria ao meu Ph gástrico fisiologicamente ácido, é Hcl demais!

Eu poderia dizer que meu coração bate mais rápido e mais forte por você, mas não é por você. É por uma descarga noradrenégica que sensibiliza os receptores adrenégicos do tipo B1 presentes nos miócitos, aumentando o meu cronotropismo e inotroprismo cardíaco, apenas.

Eu poderia dizer que você é a luz que ilumina minha vida. Mas você não é luz, você é 72,9 % água.  A maior parte de você é formada de moléculas de hidrogênio e oxigênio, e não de ondas eletromagnéticas.

Eu poderia dizer que você me faz sentir nas nuvens. Mas acho que isso tem mais a ver com uma inundação de endorfina, serotonina, oxitocina e todos esses neurotransmissores que agem no SNC nos deixando meio bobos e alheios ao mundo real.

Por fim, eu poderia tentar fazer você adivinhar fazendo uma declaração puramente orgânica e fisiológica das minhas reações, do que você é ou não é para mim. Mas não conseguiria. De qualquer forma eu teria que admitir uma verdade: as manifestações do meu sentimento sim, são fisiológicas, mas o que sinto realmente transcende qualquer entendimento científico, qualquer reação química, transcende a capacidade de expressão da linguagem humana (verbal, não verbal e escrita). É mais do que posso explicar, é mais do que posso entender.

E como entender? Um sentimento de etilogia idiopática, fisiopatologia incerta, de manifestações clínicas características que levam a um diagnóstico fácil, porém difícil, um sentimento de tratamento inexistente e de um prognóstico que é melhor nem imaginar. Impossível entender. Mas maravilhoso de viver. Já adivinhou o que é que eu sinto por você? 

Lívia C. B. - com saudade de quando em que esse texto foi escrito. :')

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Sobre sonhar em tempos difíceis


                                      Quando se perde a fantasia do sonho, o que fazer?

Medicina é um sonho. Pergunte aos estudantes de medicina o porquê de terem escolhido esse curso. A maioria dirá que era um desejo de infância que persistiu durante a adolescência, foi alimentado pelas aulas de Biologia e em fim começou a ser consolidado durante os dias de estudo na faculdade e hospitais, e as longas noites de estudo em casa.

É um sonho que persiste. Persiste à saudade de todos aqueles que estudam longe da família. Persiste ao cansaço, aos esforços nem sempre recompensados, persiste toda vez que se vê o sofrimento nos corredores dos hospitais e persiste ao sentimento de impotência que isso trás. O sonho TEM que persistir, pois sempre é ele que nos da força pra continuar.

E o que é esse sonho? É a vontade de ajudar, de fazer a diferença na vida de alguém, de fazer uma pequena diferença nesse mundo. Isso é o que move a maioria das pessoas que decidem pela medicina. Assim aconteceu comigo também. Meu sonho sempre foi a minha força. Agora porém, me vejo em uma situação em que minha força tem que sustentar meu sonho. E isso me deixa com medo.

Vejo de todos os lados nesse país, ideias, decisões, pensamentos, atos que destroem, rasgam, despedaçam o meu sonho. É o governo que não me dá qualquer perspectiva de que haverá condições para que eu possa realizá-lo (com a qualidade que deve ser realizado), é a população que me julga como o “filhinho de papai” que só quer saber de dinheiro, são os outros profissionais de saúde que me veem como egoísta por simplesmente pensar na segurança e bem estar dos meus futuros pacientes.

E aqui eu fico segurando todos os pedacinhos do meu sonho rasgado, colando um a um, com a mesma paciência com que aprendi as pequenas partes da anatomia humana, com a mesma paciência com que memorizei as fisiopatologias mais difíceis e todas aquelas manobras semiológicas. Seguro meu sonho como quem segura um bichinho ferido, porque sei que com todo meu cuidado ele vai sobreviver.

Ele é forte, eu sou forte. Eu tenho a esperança de existir um dia nesse país a medicina com que eu sempre sonhei, sei que um dia a população terá o sistema de saúde que merece, não só na teoria. Claro, provavelmente não viverei para ver esse dia, por isso perdi a fantasia do meu sonho, mas o sonho NUNCA irá morrer. Mesmo todo machucado, o faço persistir, porque sei que não sou a única a sonhar, e quando muitos sonham, mudanças podem ocorrer.

Enquanto isso, é continuar a lutar com esses pedacinhos de sonho rasgado, ajudando da melhor forma que puder, dando o melhor de mim. É tudo o que posso fazer, porque no final das contas... 

but above all, a FIGHTER. 



Lívia C.B.